sexta-feira, 17 de junho de 2011

ação e ficção

Os homens falam coisas
e fazem falas que falam coisas
que os fazem homens

e só quando me fazem
é quando se comunicam?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

She’s lost control

A gente passa o dia inteiro na regra dura da vigília do lado de fora.
Racionalizar tudo, analisar tudo, observar tudo, controlar tudo...
Notícias à claridade; claro o que se lê, alvo o que se vê; o vapor que impulsiona; a vela e o vento.
Muda a maré; o vapor que atrasa; a vela e o fogo.
Mudo desejo de amolecer no fim; bar, fogo e filosofia evaporam em bafos;
visão e reflexo do rosto no álcool, tremulante em ondas de águas turvas;
conserva de fracasso em éter: estudo de Humanidade.
E ao navegar a noite fluida, banho de lua ultra anil e violeta.

A gente passa pelo fim da semana na regadura do Humano do lado de dentro.
Porque os dias acabam quando a gente volta para casa,
esquece a chave, negocia o controle remoto.
Sopro no fogo e alforria; faz-se noite.
Também a opção inconsciente de deixar o controle quando sonhamos...
Isso é bom. Perder o controle.
Passar pelo dia vivos como num sonho.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Anedotas sobre aves

Ela subia as escadas e tinha nas mãos um chicote. No patamar do andar para onde se dirigia havia, diante do parapeito, que se estendia do corrimão ornamentado da escada, uma fileira de araras, tucanos e outras aves de rapina presas, cada uma, pelo bico a um suporte de madeira que se erguia do chão. A visão das aves em relação à garota era lateral, pois ficavam de frente ao parapeito, perpendicular à escada que dali descia e tocava o solo inferior num grande movimento espiralar, antes mesmo de formar o primeiro semi-círculo. A garota se sentia má, cruel; o chicote lhe dava certo poder. "E agora, hein?, hein?", se dirigia às aves, com o semblante forçadamente rígido, como se quisesse convencer (até a si mesma) desse seu estado. As aves a olhavam de soslaio; racionais, não tinham medo; pacientes, esperavam. Ela preparou o movimento e, num só golpe, brandiu o chicote e o açoitou de maneira que atingira todas as aves de uma vez, quebrando-lhes os bicos que se separaram de suas cabeças. E assim, vendo-se livres de seus bicos, que ainda estavam presos aos respectivos suportes de madeira, as aves viram-se livres para voar.

E o pingüim aprende que é ave e,
nostálgico das asas que não tem,
se esquece que nadadeiras são asas também,
que voam pelo infinito do azul
do fundo do mar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Lamento de Ariadna




de Friedrich Nietzsche
Quem me aquece, quem me ama ainda?

Dê a mim mãos ardentes!
Dê a mim um braseiro para o coração!
Estendida na terra, estremecendo-me,
como uma meio morta a quem se aquece os pés,
agitada, ai, por febres desconhecidas,
tremendo perante glaciais flechas agudas de arrepios,
caçada por você, pensamento!
Inominável! Escondido! Aterrador!
Você caçador entre as nuvens!
Fulminada na terra por você,
Olho sarcástico que me olha desde o escuro!
Assim estou jacente
dobrada, retorcida, atormentada
por todos os martírios eternos,
ferida,
por você, o mais cruel caçador,
seu desconhecido, deus…

Fira mais fundo!
Fira de novo!
Corte, recorte este coração!
Para que vem este martírio
com flechas de dentes redondos?
O que olha outra vez
sem se cansar do tormento humano
com malévolos olhos de raios divinos?
Não quer você matar,
somente martirizar, martirizar?
Para que martirizar a mim,
malévolo deus desconhecido?

Ah, ah!
Você se aproxima sinuoso
semelhante à meia-noite?...
O que quer?
Fale!
Aperte-me, oprima-me,
ah! já está muito próximo!
Ouça-me respirar,
espíe meu coração,
ciumento!
— mas, ciumento de que?
Fora, fora!
para que a escada?
você quer subir
penetrar, até o coração,
subir até meus mais
secretos pensamentos?
Devasso! Desconhecido! Ladrão!
O que quer levar roubando?
O que quer levar escutando?
O que quer levar atormentando?
você, atormentador!
você, deus carrasco!
Ou como um cão devo
esfregar-me contra o chão diante de você?
Submissa, admirada fora de mim
balançar o rabo por amor?
É inútil!
Fira-me outra vez,
aguilhão o mais cruel!
Não sou seu cão, só sua presa,
caçador o mais cruel!
sua mais orgulhosa prisioneira,
bandido detrás das nuvens…
Fale afinal!
Você, escondido com o raio! Desconhecido! fale!
que quer, salteador, de mim?...

Como?
Um resgate?
O que quer de resgate?
Você pede muito, aconselha-o meu orgulho!
E fala pouco, aconselha-o meu orgulho!

Ah, ah!
sou eu quem você quer? Eu?
eu inteira?

Ah, ah!
E me martiriza? Louco que você é, louco!
Re-martirize meu orgulho?
Dê a mim o amor, quem me aquece ainda?
quem me ama ainda?
dê a mim mãos ardentes,
dê a mim um braseiro para o coração,
dê a mim, à mais solitária,
à que o gelo, ai! sete camadas de gelo
ensinam a somar inimigos,
dê, sim, entregue,
inimigo o mais cruel,
dê a mim, a você!

Acabou-se!
Então fugiu ele,
meu único companheiro,
meu grande inimigo
meu deus carrasco!...
Não!
volte!
Com todos os seus martírios!
Todo o curso de minhas lágrimas
escorre até você,
e a última chama de meu coração
para você re-acende.
Oh, volte,
meu deus desconhecido! minha dor!
Minha última felicidade!...

Um raio. Dionisio aparece com esmeraldina beleza.

Dionisio:

Seja sensata, Ariadna…
Tenha ouvidos pequenos, tenha meus ouvidos:
coloque neles uma palavra sensata!
Como odiar-se primeiro, se tem que amar-se?...
Eu sou o seu labirinto...

***

(Tradução livre do Espanhol de Patrícia Mc Quade: http://sujadepiche.blogspot.com/)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sinto muito


Houve um momento
em que você sobrevoava meu corpo
e seus olhos eram apertados, pequenos, amorosos
e eu olhei bem lá dentro
naquela busca de que somos capazes
e pensei: assim está bom.

Mas era engano?
Houve um momento
em que você sobrevoava meu corpo
e seus olhos eram apertados, pequenos, amorosos
e eu olhei bem lá dentro
naquela busca de que somos capazes
e pensei: assim está bom.

Mas era engano?

Num outro momento
em que nos abraçamos,
fortes, com corpos muito inteiros,
silenciosos um no outro
e era tamanha a umidade, o contato, o vínculo
que eu pensei: precisaremos disso de novo.

Mas eu me enganei.
Não precisamos.

Num outro momento
em que nos abraçamos,
fortes, com corpos muito inteiros,
silenciosos um no outro
e era tamanha a umidade, o contato, o vínculo
que eu pensei: precisaremos disso de novo.

Mas eu me enganei.
Não precisamos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009


Os corpos se justificam no ato sexual. Em nada mais, finalidade ou motivo. Orbitar na eminência do choque com o que não é possível, o outro. E na explosão de, tantos, souvenires como teses e dissertações, a explicação do que não se conseguiu entender, a ignorância compartilhada. Busco gozo, para gozar e na invenção do prazer, inventei junto seu corpo, gingando, dançando com a dona do vento para maravilha minha. Certa vez, um homem, ao ouvir minha paixão disse: “que pena”. E de fato, que pena é. Poucos são fortes o suficiente para aceitarem essa dança dos ventos, germinando sementes que nos brotam uns nos outros, mudando a tonalidade do entorno de uma pétala, enxertos que levam em si tudo de um menos ainda do quase nada que somos. E de mulheres os homens só conhecem mães, virgens e putas. Lhes falta ainda o refinamento que permite arranjos e combinações oferecidas aos sentidos por todos os seres. Mulheres são mulheres, em todos os tempos e atos, parindo, gozando, amando, tecendo e usando chapéu coco. Da força da mulher o homem se sente traído, conscientes de que, se são amados por uma, a nada mais se deve ao fato de que mulher é gratuita, mesmo quando cobra. São como elas os seres que cuidam do mundo e das crianças loucas que o habitam. Nada é dado ou pedido. Nada é esperado além de que, um dia, as sementes germinem.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Querida Beltrana


Escrevo-te porque você é beltrana e querida. Desculpe a demora em responder, mas nem sempre é possível se dedicar ao que é mais valioso - daí o seu valor de raridade. Bem, você me pediu um conselho e eu te dou. Preste atenção, abandone os spas e carregue muitas pedras, os homens parecerão leves então: não há músculos que prevaleçam ao peso das pedras, mesmo qeu sejam do abdómem ou das coxas.
Você bem sabe da importância de se cortar os cabelos e da sua relação direta com o balanço das saias. Desse jeito, como você fez, houve bom balancê. Parabenizo.
Neste momento sou eu que preciso de alguma mudança, talvez mude de ombros ou de textura de pele. É que por dentro já não sou mais a mesma, porque ninguém é. A diferença é essa minha consciência das mudanças.
Por isso, não se assuste se me achar irreconhecível, é que algo de fora deve acompanhar o que se passa dentro.
mando muitos beijos fortes, pois somos da força apesar do lilás. 

senhorita rita.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cor de Rosa Choque

Nas duas faces de Eva
A bela e a fera
Um certo sorriso
De quem nada quer...

Sexo frágil
Não foge à luta
E nem só de cama
Vive a mulher...
...

Mulher é bicho esquisito
Todo o mês sangra
Um sexto sentido
Maior que a razão
Gata borralheira
Você é princesa
Dondoca é uma espécie
Em extinção...

Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque
É Cor de Rosa Choque...


[Composição: Rita Lee / Roberto de Carvalho]

passadas luas