terça-feira, 26 de outubro de 2010

Anedotas sobre aves

Ela subia as escadas e tinha nas mãos um chicote. No patamar do andar para onde se dirigia havia, diante do parapeito, que se estendia do corrimão ornamentado da escada, uma fileira de araras, tucanos e outras aves de rapina presas, cada uma, pelo bico a um suporte de madeira que se erguia do chão. A visão das aves em relação à garota era lateral, pois ficavam de frente ao parapeito, perpendicular à escada que dali descia e tocava o solo inferior num grande movimento espiralar, antes mesmo de formar o primeiro semi-círculo. A garota se sentia má, cruel; o chicote lhe dava certo poder. "E agora, hein?, hein?", se dirigia às aves, com o semblante forçadamente rígido, como se quisesse convencer (até a si mesma) desse seu estado. As aves a olhavam de soslaio; racionais, não tinham medo; pacientes, esperavam. Ela preparou o movimento e, num só golpe, brandiu o chicote e o açoitou de maneira que atingira todas as aves de uma vez, quebrando-lhes os bicos que se separaram de suas cabeças. E assim, vendo-se livres de seus bicos, que ainda estavam presos aos respectivos suportes de madeira, as aves viram-se livres para voar.

E o pingüim aprende que é ave e,
nostálgico das asas que não tem,
se esquece que nadadeiras são asas também,
que voam pelo infinito do azul
do fundo do mar.

2 comentários:

  1. Que delícia de texto Thacy! Fiquei pensando nos pedaços arrancados que nos fazem voar... Obrigada!

    ResponderExcluir
  2. Só hoje li seu comentário. Que bom que você gostou!
    Esse texto me fez pensar na voz arrancada como preço por uma liberdade; e nos outros céus à nossa volta que a gente não percebe porque se almeja outros... =)

    ResponderExcluir

passadas luas